Mais
um dia.
Eu
cheguei em casa, e mal tive tempo de fechar a porta. A inquisição chegou e me
encheu de perguntas, de acusações. E eu tão cansada de tudo isso, de estar
aqui, dela, dessa vida que eu levo.
- Sua velha! O que
você pensa que você é? Conversando com molecada no corredor, se sentindo
adolescente? Sempre tem um ‘step’ né? É isso que você quer sua vadia desavergonhada! Vou falar tudo para o seu pai!
Eu
olhava incrédula. O inferno todo porque dois amigos meus conversavam na porta
do apartamento. Digo, submundo. Jamais convidaria eles pra entrar, sabia que se
fizesse isso, estaria os condenando ao inferno ou a minha vergonha de vê-los
expulsos por aquele ser, tão mesquinho, tão estupido. Dois amigos. Imagina se
eu chamasse umas dez pessoas diferentes e enfiasse todo mundo dentro de casa.
Imagine se fossem dois traficantes da região que me abasteciam de dinheiro e ‘poeira’.
Não. Duas pessoas tão trabalhadoras quanto eu. Mas aqui, o único caráter que se
julga é o meu. Aliás, me parece que eu não tenho caráter pra julgar.
Eu
parei de ficar obcecada pelo computador. Parei de simplesmente sair de casa,
para o trabalho e do trabalho para casa. Eu queria conviver com pessoas, falar
com elas, rir com elas, ter algo que eu jamais conseguiria em casa. Aqui eu não
tenho nada. Aqui eu sou nada.
Mudei
minha rotina. Anos a fio fazendo exatamente as mesmas coisas, passei a chegar
exatos 60 minutos depois do horário que eu costumava chegar todos os dias.
Foram os 60 minutos mais caros da minha existência...
Quando
estava no computador: eu era a ‘adolescente’ pensando que a vida se resumia a
pc, pc, pc. Não podia conversar com ninguém, não podia jogar com ninguém. Nada.
Vi minhas redes sociais sendo vasculhadas e todo o meu momento de desabafo, já
que eu me isolava cada vez mais, sendo usado contra mim, em várias discussões.
Estava à beira de um colapso, quando eu mesma dei um basta. E fui procurar o
que me fazia bem, quase que sem querer.
Encontrei
refúgio nos meus colegas de trabalho. Pessoas que eu passo a maior parte do
dia, a maior parte da semana. Se meu erro era o computador, se era a capoeira
que ela sempre condenou, agora estava sendo os benditos dias de trabalho.
Eu
não via alguém diferente falando comigo nos corredores do sufocante prédio há
mais de 05 anos. Mesmo assim já foi motivo suficiente para me acusar como se as
pessoas viessem me visitar todos os dias. Dificilmente viriam. Dificilmente eu
repetirei a experiência. Melhor ficar
pela rua, convivendo com uma série de estranhos já que ela não faz questão
nenhuma de conhecer com quem eu convivo.
Mas
eu não posso ficar no computador. Não posso trazer ninguém aqui. Não posso ir
na casa de ninguém. Que diabos eu faço então? Simples: Eu tenho que ser a mãe
dedicada que se anula, se omite, não tem sonhos, não tem espírito, não tem
alma. É doutrinada a lavar, passar, cozinhar, arrumar, cuidar de uma casa que
não é minha e ser submissa a qualquer cara que pague minhas contas e livre minha
presença dos olhos dela. Eu tenho que ser um corpo apenas. Não tenho mais idade pra ter vida. Não tenho
recursos pra ter vida. Não tenho direito de ter vida.
Vejo
os anos passarem e nada muda. Tanta gente entrou e saiu da minha vida, e nada
mudou. Tantos empregos, nenhum trabalho. Nunca tive condições financeiras de me
manter sozinha em algum lugar. Com um filho pra criar, a coisa se tornou duas
vezes precária. E a minha fé no futuro diminuindo a cada instante...
E
ela continua seu discurso cheio de razão e dona absoluta da verdade. Eu
permaneço em silêncio. Vou ao quarto, exijo do meu filho que me deixe sozinha. Quero ter pelo menos o direito de eu mesma
segurar minhas lágrimas, únicas coisas livres em mim. Quero chorar, quero
gritar, quero soluçar, quero destruir cada muro que ela tenta construir em
volta de mim para me matar. Quero minha liberdade. Milhares de gritos que
escorrem pela minha face em silêncio...
Sem
felicidade.
Sem
alegria.
Sem
sorrisos.
Sem
respeito.
Sem
sonhos.
Sem
vida.
Vazia.
Uma
simples visita, apenas uma passada de alguém que veio pela primeira vez a casa
que eu sou obrigada a me abrigar, custou as lágrimas de quem chora calada. Sem
chances. Sem opções.
E
o mundo irá mudar? Não. Para o mundo mudar, é necessário que as pessoas mudem.
Ela
não vai mudar, porque não quer.
Eu
não vou mudar, porque não posso.
Fé...
Não me abandone agora. Os sonhos se despedaçaram por inteiro e a esperança
sumiu por completo.
60
minutos. Uma hora.
Esse
é o preço do meu caráter.
Então
realmente eu estou valendo muito pouco.
Kelly
Christine
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