Escutei muito
essa frase nos últimos dias. “O que é melhor, pode não ser satisfatório.” Venho
aqui mais uma vez, dizer a única pessoa que se importa, como me sinto. Quebrada, partida, aos pedaços. Mais uma vez
tudo passou por mim. Infelizmente ainda não consegui me manter de pé.
Olho o anel no
meu dedo. Tem o desenho de um coração vazado, de lados opostos. Engraçada coincidência.
Quando o escolhi na loja, sempre gostei de corações, ficou claro que gostaria
deste. Só agora me dou conta que não era bem um coração. Era o espaço onde
deveria estar um. Mas não está. E nunca estará. Será sempre vazio.
As palavras são
duras. Geladas, cortantes. Ouço tudo calada, as lágrimas se seguram o máximo
que conseguem nos meus olhos. Todas as explicações que eu tinha, morrem na
boca. O meu melhor, não estava sendo satisfatório. Mais uma vez.
Me sento a mesa
olhando para o mesmo vazio que acompanha a ponta do meu dedo, sentindo o vão
onde deveria estar um coração. Mas não está. As lágrimas, agora sem pudor
algum, escorrem pelos olhos, sem pedir ao menos licença. Sinto seu incômodo ao me
olhar, estar diante de uma criatura ao qual agora, seu único sentimento
dedicado é o desprezo. As prioridades mudaram. Fico em silêncio. Palavras são
desnecessárias neste momento. Pra quê? Uma decisão foi tomada, e nada que eu
fale, faça ou diga será apropriado ou de alguma utilidade para a situação
mudar.
Cumprimento e
peço desculpas pela minha pessoa aos pedaços e humilhada. Me retiro. A rua é o
único consolo que me abraça neste momento, e me toca a ferida na alma aberta
mais uma vez. As pessoas me olham sem
entender. O que faz essa criatura, zanzando aos prantos pelas ruas
movimentadas? Tão perdida, tão perdida...
Os dedos ainda
percorrem o anel. Chego onde preciso chegar. Me escondo do olhar curioso das
pessoas, fujo de suas perguntas, me permito chorar livremente. Adormeço em meio
a lágrimas e lembranças agora turvas de um passado que parece tão presente em
mim.
Meus sentimentos,
minhas qualidades. São incapazes de superar minhas diferenças e meus defeitos.
O que realmente importa não é o que eu sinto, de como eu me arrependo de uma
atitude ou outra impensada, ou algum passo errado que eu faça de tudo para
corrigir. O que importa mesmo, é saber que eu sou completamente deficiente em
tudo, inclusive na capacidade de me superar. Não sou alguém inesquecível nem
importante. Apenas mais uma pessoa insignificante que merece todo o desprezo de
ter errado, e mesmo tentando se corrigir, resolutamente de nada adianta.
Me vejo diante do
espelho. Os olhos vermelhos e inchados denunciam o sono encerrado abruptamente
em meio às lágrimas. Lavo esses mesmos olhos tão cheios de amargura nas águas
sagradas da pia do banheiro. Velha, cansada, a boca deficiente, os dentes
irregulares, as olheiras fundas, os cabelos brancos. É. Sendo esse mostro feio
que eu sou, dificilmente alguém iria me olhar sem me ver. Não sei de onde eu
tirei a ilusão que a pessoa que eu sou poderia ser melhor do que a pessoa que
todos veem.
Saio do banheiro
pisando em falso. As pessoas pareciam esperar algo de mim, espécie de
confissão, que lógico não aconteceu. Se recolhem curiosas e decepcionadas.
Mantenho meu
silêncio. Este documento é a única coisa que me mantem ligada ao mundo que me
obrigo a viver, mesmo sem querer. Lutar
pelo que acredito foi tudo o que eu fiz até aqui. Lutar pelos meus sonhos,
pelos desejos, pelas realizações, pelos sorrisos. Nada adianta eu lutar pelo
nada, diante do nada. Não posso perfurar o vento, ou impedir a chuva de cair.
Não posso lutar, correr atrás, de quem nunca dará um único passo por mim.
Sento à mesa. Olho
tudo sem ver absolutamente nada. Sinto um torpor dentro de mim, como se algo
que doeu descomunalmente tivesse sido cauterizado. O sorriso vazio esconde a
fumaça diante da ferida cauterizada. Quem fala que o tempo cura feridas esquece
que as lembranças deixam cicatrizes.
Decidi usar esse
anel enquanto durar. Ele sempre me fará lembrar o quanto eu fui incapaz de nada
fazer diante da minha luta árdua e sem propósitos. Me faz lembrar que eu jamais
serei digna, ou diferente ao ponto de ser especial. E o principal: somos
semelhantes. Não irá mais existir um coração. Existirá um espaço onde deveria
estar um coração. Que jamais será preenchido.
Não é possível
haver uma segunda chance. Para pessoas que não tiveram sequer a primeira.
Kelly Christine.
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