12 de set. de 2012

O Anel.


Escutei muito essa frase nos últimos dias. “O que é melhor, pode não ser satisfatório.” Venho aqui mais uma vez, dizer a única pessoa que se importa, como me sinto.  Quebrada, partida, aos pedaços. Mais uma vez tudo passou por mim. Infelizmente ainda não consegui me manter de pé.
Olho o anel no meu dedo. Tem o desenho de um coração vazado, de lados opostos. Engraçada coincidência. Quando o escolhi na loja, sempre gostei de corações, ficou claro que gostaria deste. Só agora me dou conta que não era bem um coração. Era o espaço onde deveria estar um. Mas não está. E nunca estará. Será sempre vazio.
As palavras são duras. Geladas, cortantes. Ouço tudo calada, as lágrimas se seguram o máximo que conseguem nos meus olhos. Todas as explicações que eu tinha, morrem na boca. O meu melhor, não estava sendo satisfatório. Mais uma vez.
Me sento a mesa olhando para o mesmo vazio que acompanha a ponta do meu dedo, sentindo o vão onde deveria estar um coração. Mas não está. As lágrimas, agora sem pudor algum, escorrem pelos olhos, sem pedir ao menos licença. Sinto seu incômodo ao me olhar, estar diante de uma criatura ao qual agora, seu único sentimento dedicado é o desprezo. As prioridades mudaram. Fico em silêncio. Palavras são desnecessárias neste momento. Pra quê? Uma decisão foi tomada, e nada que eu fale, faça ou diga será apropriado ou de alguma utilidade para a situação mudar.
Cumprimento e peço desculpas pela minha pessoa aos pedaços e humilhada. Me retiro. A rua é o único consolo que me abraça neste momento, e me toca a ferida na alma aberta mais uma vez.  As pessoas me olham sem entender. O que faz essa criatura, zanzando aos prantos pelas ruas movimentadas? Tão perdida, tão perdida...
Os dedos ainda percorrem o anel. Chego onde preciso chegar. Me escondo do olhar curioso das pessoas, fujo de suas perguntas, me permito chorar livremente. Adormeço em meio a lágrimas e lembranças agora turvas de um passado que parece tão presente em mim.
Meus sentimentos, minhas qualidades. São incapazes de superar minhas diferenças e meus defeitos. O que realmente importa não é o que eu sinto, de como eu me arrependo de uma atitude ou outra impensada, ou algum passo errado que eu faça de tudo para corrigir. O que importa mesmo, é saber que eu sou completamente deficiente em tudo, inclusive na capacidade de me superar. Não sou alguém inesquecível nem importante. Apenas mais uma pessoa insignificante que merece todo o desprezo de ter errado, e mesmo tentando se corrigir, resolutamente de nada adianta.
Me vejo diante do espelho. Os olhos vermelhos e inchados denunciam o sono encerrado abruptamente em meio às lágrimas. Lavo esses mesmos olhos tão cheios de amargura nas águas sagradas da pia do banheiro. Velha, cansada, a boca deficiente, os dentes irregulares, as olheiras fundas, os cabelos brancos. É. Sendo esse mostro feio que eu sou, dificilmente alguém iria me olhar sem me ver. Não sei de onde eu tirei a ilusão que a pessoa que eu sou poderia ser melhor do que a pessoa que todos veem.
Saio do banheiro pisando em falso. As pessoas pareciam esperar algo de mim, espécie de confissão, que lógico não aconteceu. Se recolhem curiosas e decepcionadas.
Mantenho meu silêncio. Este documento é a única coisa que me mantem ligada ao mundo que me obrigo a viver, mesmo sem querer.  Lutar pelo que acredito foi tudo o que eu fiz até aqui. Lutar pelos meus sonhos, pelos desejos, pelas realizações, pelos sorrisos. Nada adianta eu lutar pelo nada, diante do nada. Não posso perfurar o vento, ou impedir a chuva de cair. Não posso lutar, correr atrás, de quem nunca dará um único passo por mim.
Sento à mesa. Olho tudo sem ver absolutamente nada. Sinto um torpor dentro de mim, como se algo que doeu descomunalmente tivesse sido cauterizado. O sorriso vazio esconde a fumaça diante da ferida cauterizada. Quem fala que o tempo cura feridas esquece que as lembranças deixam cicatrizes.
Decidi usar esse anel enquanto durar. Ele sempre me fará lembrar o quanto eu fui incapaz de nada fazer diante da minha luta árdua e sem propósitos. Me faz lembrar que eu jamais serei digna, ou diferente ao ponto de ser especial. E o principal: somos semelhantes. Não irá mais existir um coração. Existirá um espaço onde deveria estar um coração. Que jamais será preenchido.
Não é possível haver uma segunda chance. Para pessoas que não tiveram sequer a primeira.

Kelly Christine.

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