Para
ler com os olhos do coração.
Relato
de um sonho.
O
anjo que sempre te protegeu, cuidou de você, estava ao seu lado nas horas
certas e incertas, te olha com ternura.
Um
pequeno anjo feio, de longas asas, feitas de amor, carinho e compreensão.
Sem
uma explicação lógica, no meio daquilo que seria apenas uma simples conversa, em
um gesto de fúria, você arranca as asas do anjo. Despedaça com ódio, rancor, os
olhos fervendo de uma cólera que toma conta de seus gestos, não há limites para
sua raiva.
O
anjo nada diz ou faz. Sente a dor e o sangue escorrendo no corpo, o coração
também despedaçado. Continua te olhando com ternura, agora chorando. Nenhuma palavra
dita, nenhuma reclamação, nenhum gesto para evitar tamanho morticínio de suas
asas que só tinham como finalidade alcançar e proteger os sonhos. Seus e dele.
E
você continua arrancando despedaçando e mais e mais as asas do anjo. Com fúria,
violência, que deixam sua respiração ofegante e seus pensamentos turvos. No pequeno
anjo feio, escorrem lágrimas de sangue por seus olhos. Estes mesmos olhos que
veem e não entendem o porquê de tanto ódio, de tanta raiva de alguém que só
retribuiu tanta dor com afeto.
Após
tempos de trabalho, as asas não existem mais. Você para e tenta recuperar o
fôlego, parece satisfeito com o que vê. O anjo olha para o chão, vê as pequenas
penas espalhadas, cobertas pelo sangue dos justos. Nas costas, os ossos
expostos, só afirmam o que uma pessoa movida pela raiva é capaz de fazer. Toca
de leve os ombros e se encolhe diante da dor. Um suspiro de resignação se faz
ouvir. O anjo feio já tinha vivido algo assim, porém nunca a ponto de sofrer
tamanha agressão.
O
anjo ainda te olha com ternura. Sabe que aquele é o seu fim, o outro anjo de
asas cinzas vai vir buscá-lo em breve e para sempre. Você não é capaz de
encará-lo, mas não se mostra arrependido pelo que fez. Dá os ombros em um gesto
de pouco caso e vira as costas para não precisar encarar o horror que acabou de
causar. Era valente quando tomado pela raiva. Raiva essa que sempre nos leva
onde não devemos ir.
Com
um olhar singelo, um sorriso desprovido de felicidade, e grandes lágrimas que
cobriam agora seu rosto, junto com o sangue, o anjo disse apenas o seguinte:
-
Obrigada por tantas lições diante do caminho que escolhi trilhar.
Tentei
seguir com fé, escrever meus passos em nome de um sentimento que só existia em
mim.
Abençoados
são aqueles que podem contar com pessoas leais. A lealdade é o gesto mais puro
que as pessoas podem partilhar entre si.
Eu
fui leal a você. E ao que eu sentia. Até agora.
Não
fiz cobranças, não exigi nada e nem pedi nada em troca. Apenas que você
enxergasse em mim o que eu supunha que faltava em você.
Mas
nada te falta. És autossuficiente e sei que não precisa de mim ou das minhas
asas para viver. Sei que não precisa de nada além de si mesmo.
O
anjo com grande dificuldade se abaixou e pegou uma pena. Era uma das milhares
espalhadas, mas uma das poucas sem estar pintada com as manchas de sangue.
Caminhou cambaleante em sua direção, tomou-lhe a mão e lhe entregou a pena.
-
Isso é parte daquilo que fui um dia. Isso é tudo que restou de mim.
Neste
momento, um grandioso anjo negro com enormes asas cinzas e olhos vermelhos
surgiu. Carregava seu grande cajado preto e tinha um semblante pesado e rude.
Falou sem cerimônias:
-
É chegada a hora.
O
pequeno anjo feio tocou os dedos ensanguentados no seu rosto. Sentiu o calor
que sabia que nunca mais sentiria e jamais esqueceria. Olhou no fundo de seus
olhos para que ele visse o que ainda existia em seu coração despedaçado.
-
Adeus à metade de mim, então adeus a mim mesma.
Como
uma névoa densa em uma manhã fria, sumiu diante dos olhos de seu agressor. Você
ficou com apenas aquela pequena pena na mão, todas as outras haviam sumido, com
os pedaços das asas do pequeno anjo feio. Era como se nada tivesse acontecido.
Respirava
aliviado. Sentia que tinha feito o que era certo, geralmente o que a vida impõe
que seja correto. Faria feliz quem estava em sua volta.
Prosseguiu
a vida. Afinal ela não para e não depende de sentimentos.
E
esqueceu por completo a única coisa que não o tornava só uma pessoa. Tornava um
humano.
Fim.
Kelly
Christine
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