23 de abr. de 2013

O Sonho Final.


Para ler com os olhos do coração.

Relato de um sonho.

O anjo que sempre te protegeu, cuidou de você, estava ao seu lado nas horas certas e incertas, te olha com ternura.
Um pequeno anjo feio, de longas asas, feitas de amor, carinho e compreensão.
Sem uma explicação lógica, no meio daquilo que seria apenas uma simples conversa, em um gesto de fúria, você arranca as asas do anjo. Despedaça com ódio, rancor, os olhos fervendo de uma cólera que toma conta de seus gestos, não há limites para sua raiva.
O anjo nada diz ou faz. Sente a dor e o sangue escorrendo no corpo, o coração também despedaçado. Continua te olhando com ternura, agora chorando. Nenhuma palavra dita, nenhuma reclamação, nenhum gesto para evitar tamanho morticínio de suas asas que só tinham como finalidade alcançar e proteger os sonhos. Seus e dele.
E você continua arrancando despedaçando e mais e mais as asas do anjo. Com fúria, violência, que deixam sua respiração ofegante e seus pensamentos turvos. No pequeno anjo feio, escorrem lágrimas de sangue por seus olhos. Estes mesmos olhos que veem e não entendem o porquê de tanto ódio, de tanta raiva de alguém que só retribuiu tanta dor com afeto.
Após tempos de trabalho, as asas não existem mais. Você para e tenta recuperar o fôlego, parece satisfeito com o que vê. O anjo olha para o chão, vê as pequenas penas espalhadas, cobertas pelo sangue dos justos. Nas costas, os ossos expostos, só afirmam o que uma pessoa movida pela raiva é capaz de fazer. Toca de leve os ombros e se encolhe diante da dor. Um suspiro de resignação se faz ouvir. O anjo feio já tinha vivido algo assim, porém nunca a ponto de sofrer tamanha agressão.
O anjo ainda te olha com ternura. Sabe que aquele é o seu fim, o outro anjo de asas cinzas vai vir buscá-lo em breve e para sempre. Você não é capaz de encará-lo, mas não se mostra arrependido pelo que fez. Dá os ombros em um gesto de pouco caso e vira as costas para não precisar encarar o horror que acabou de causar. Era valente quando tomado pela raiva. Raiva essa que sempre nos leva onde não devemos ir.
Com um olhar singelo, um sorriso desprovido de felicidade, e grandes lágrimas que cobriam agora seu rosto, junto com o sangue, o anjo disse apenas o seguinte:

- Obrigada por tantas lições diante do caminho que escolhi trilhar.
Tentei seguir com fé, escrever meus passos em nome de um sentimento que só existia em mim.
Abençoados são aqueles que podem contar com pessoas leais. A lealdade é o gesto mais puro que as pessoas podem partilhar entre si.
Eu fui leal a você. E ao que eu sentia. Até agora.
Não fiz cobranças, não exigi nada e nem pedi nada em troca. Apenas que você enxergasse em mim o que eu supunha que faltava em você.
Mas nada te falta. És autossuficiente e sei que não precisa de mim ou das minhas asas para viver. Sei que não precisa de nada além de si mesmo.

O anjo com grande dificuldade se abaixou e pegou uma pena. Era uma das milhares espalhadas, mas uma das poucas sem estar pintada com as manchas de sangue. Caminhou cambaleante em sua direção, tomou-lhe a mão e lhe entregou a pena.

- Isso é parte daquilo que fui um dia. Isso é tudo que restou de mim.

Neste momento, um grandioso anjo negro com enormes asas cinzas e olhos vermelhos surgiu. Carregava seu grande cajado preto e tinha um semblante pesado e rude. Falou sem cerimônias:

- É chegada a hora.

O pequeno anjo feio tocou os dedos ensanguentados no seu rosto. Sentiu o calor que sabia que nunca mais sentiria e jamais esqueceria. Olhou no fundo de seus olhos para que ele visse o que ainda existia em seu coração despedaçado.

- Adeus à metade de mim, então adeus a mim mesma.

Como uma névoa densa em uma manhã fria, sumiu diante dos olhos de seu agressor. Você ficou com apenas aquela pequena pena na mão, todas as outras haviam sumido, com os pedaços das asas do pequeno anjo feio. Era como se nada tivesse acontecido.
Respirava aliviado. Sentia que tinha feito o que era certo, geralmente o que a vida impõe que seja correto. Faria feliz quem estava em sua volta.
Prosseguiu a vida. Afinal ela não para e não depende de sentimentos.
E esqueceu por completo a única coisa que não o tornava só uma pessoa. Tornava um humano.
Fim.

Kelly Christine


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